terça-feira, 22 de dezembro de 2015

DEPRECIAÇÃO DA IMAGEM DO JIU JÍTSU

Durante a década de 1990, o Jiu Jítsu Brasileiro era a arte marcial em maior evidencia no mundo das lutas. Logo, todos queriam carregar consigo o status de praticantes desta modalidade. Por estar em evidencia, e pela demanda ser bastante crescente, a lei da oferta e da procura passou a vigorar nas academias tornando o esporte caro e portanto seletivo. O Jiu Jítsu acabou se tornando uma modalidade restrita as camadas mais favorecidas da sociedade e passou a ser visto pelos demais como um esporte elitista. Entende-se que essa foi a primeira alteração sofrida na imagem do Jiu Jítsu Brasileiro. O Jiu Jítsu era então, o esporte marcial dos “filinhos de papai” e a partir dessa nova realidade já começava a encontrar opositores especialmente nos veículos de comunicação. Nesta mesma época, um grupo de jovens promovia desordens e badernas nas casas noturnas da Zona Sul do Rio de Janeiro. Praticantes de Jiu Jítsu ou não acabaram ganhando este rótulo (sempre envolvidos em brigas) e a mídia buscando um maior aproveitamento daquela situação, decidiu entrar na briga contra este tipo de atitude dos então “filinhos de papai” e jornalisticamente acabou criando uma nova forma de denominá-los. “Pitboys” foi o termo escolhido fazendo alusão ao fato de serem garotos de classe média e alta e aos cães da raça pitbull que também estavam em evidencia na época especialmente pela sua agressividade. Jornalisticamente, o termo tornou-se um jargão e marcou presença nas paginas policiais e em todos os noticiários dos demais veículos de comunicação. Logo o termo ganhou as ruas e automaticamente todos os praticantes de Jiu Jítsu acabaram rotulados pela opinião pública como pitboys, e todo o evento que envolvesse jovens das classes mais favorecidas, e que envolvesse brigas ou qualquer tipo de violência automaticamente era fruto da ação de pitboys e do Jiu Jítsu. (ATALLA, 2004) Leão e Albuquerque (2004), que foram os criadores do termo, reconhecem que ao ganhar as ruas eles perderam o domínio sobre o mesmo e que sua intenção nunca foi criar um estereótipo sobre o Jiu Jítsu, seus praticantes ou até mesmo sobre a raça de cães. "Em 1999, Carlos Albuquerque e eu fizemos uma reportagem no jornal “O Globo” veículos em que trabalhamos até hoje. A pauta era um tipo de violência que víamos acontecer com freqüência nas boates do Rio de Janeiro.[...] Durante a edição da reportagem notamos que faltava uma expressão que definisse bem aquele tipo de agressor.Pensamos em algo com a palavra “animal”, gíria muito utilizada na época em função do jogador de futebol Edmundo.O cão da raça pitbull também estava sendo muito comentado naquele ano. Começamos então a combinar as palavras com a preposição “pit”. Achamos que pitboy soava bem Logo após a reportagem ser publicada, o temos pegou. Quando “pitboy” caiu em domínio público, perdemos o controle sobre o significado da palavra. Enquanto nos referíamos a caras que tem atitude primata na hora de “conquistar uma mulher”, muitas pessoas utilizam o termo de maneira equivocada, generalizante, achando por exemplo que todo o “pitboy”é praticante de esportes de luta em especial o Jiu Jítsu". (LEÃO e ALBUQUERQUE, 2004, p.58) Mesmo em desacordo com a intenção, o termo “pitboy” virou sinônimo de Jiu Jítsu, baderna, violência e até mesmo de mortes. Em função de um jargão jornalístico reconhecidamente equivocado por seus próprios autores o Jiu Jítsu carregava uma imagem até então inconcebida pelos seus idealizadores e por aqueles personagens que desenvolveram sua história até então. O Jiu Jítsu para a opinião pública passa a ser visto como a arte marcial dos delinquentes, lutar Jiu Jítsu transformava o homem em um desajustado social. A partir de então, todo o acontecimento que tivesse um desfecho fatídico e que possuísse algum elemento atrelado ao perfil de um “pitboy” ganhava as páginas dos jornais ancorado ao Jiu Jítsu. Acredita-se que assim a imagem desta arte marcial estava maculada frente a opinião pública e tudo que tivesse origem na mesma, fosse um titulo mundial conquistado ou trabalho social desenvolvido em uma comunidade carente, era recebido aos olhos da opinião pública com desconfiança. Isso pode ser enfatizado pela publicação da revista Veja em fevereiro de 1999, que trazia como título: “A cultura do tapão – Eles já gostavam de brigar e agora ficaram mais violentos depois de aprender jiu jítsu”. Na matéria, os jornalistas Daniela Pinheiro e Ronaldo França, apresentam o perfil dos pseudo praticantes de Jiu Jítsu, suas características físicas e alertas aos leitores que por ventura cruzassem o seu caminho. A partir da apresentação do perfil de três garotos, os jornalistas tornavam visível para a sociedade um conceito deturpado do Jiu Jítsu. "[...] A turma da orelha é formada por praticantes de jiu jítsu que, muitas vezes, não se satisfazem em treinar a arte marcial no tatame da academia. Eles saem às ruas à procura de uma vítima. Nos últimos tempos, gangues de lutadores têm-se envolvido em casos policiais com freqüência cada vez maior. Há registros de confusão provocada por eles em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza, Recife, Brasília e Manaus, mas a capital nacional dessa gente é o Rio de Janeiro. É lá que está a maior concentração de academias de jiu jítsu do país, cerca de 400, metade de fundo de quintal. Na semana passada, a Guarda Municipal carioca divulgou um relatório sobre gangues que perturbam e agridem os usuários das praias de Ipanema e do Leblon e constatou que duas delas são formadas por praticantes de jiu jítsu. Nos últimos meses, a cidade registrou a morte de duas pessoas envolvidas em brigas provocadas por lutadores dessa arte marcial. O motivo para tanta violência? Nada que faça muito sentido, aparentemente." (PINHEIRO e FRANÇA,1999, Disponível em acesso em 11/09/2011) Os jornalistas seguem suas considerações a respeito do Jiu Jítsu afirmando que de todas as artes marciais, apenas o Jiu Jítsu causaria esse tipo de desordem social. Segundo eles, seriam 4.000.000 de praticantes de luta no país sendo que apenas 150.000 treinando Jiu Jítsu e que nos mesmos o problema estaria concentrado: "O Brasil tem mais de 4 milhões de pessoas praticando artes marciais e não se tem notícia de gangues de kung fu ou de judocas esmurrando gente na rua. São 150.000 os praticantes de jiu jítsu e, obviamente, a maioria deles leva a arte marcial a sério. Ou seja, treina na academia e, nas ruas, demonstra desenvolvido grau de autocontrole, capaz de suportar mais desaforos do que os demais. A má imagem do jiu jítsu é culpa de uma minoria que já gostava de dar tapas antes de entrar na academia e que resolveu aderir à luta da moda para potencializar sua ferocidade." (PINHEIRO e FRANÇA, 1999, Disponível em acesso em 11/09/2011) É importante salientar as considerações feitas pelos próprios jornalistas os quais afirmam ter conhecimento que a maioria dos praticantes de Jiu Jítsu tem uma conduta exemplar especialmente por desenvolverem um grau de tolerância maior do que a maioria das pessoas, mas mesmo com essa percepção seguem afirmando que a imagem da arte marcial é muito negativa. Esse detalhe deve ser evidenciado pois o que naturalmente seria percebido a partir do próprio texto jornalístico é que a imagem atribuída ao Jiu Jítsu não corresponde a realidade do esporte a final a imensa maioria dos praticantes tem uma conduta elogiável pela própria matéria. A matéria ainda retrata a agressividade e o desejo secreto que todo o homem tem de impor respeito físico. Salienta que esse é possivelmente um traço ancestral e que na maioria dos casos a avaliação racional permite a dedução de que a agressão física não vale a pena. No entanto, e com muita pertinência ela apresenta o quadro de maníaco por agressão o qual não goza desse tipo de dedução lógica: "Todo homem esconde um desejo secreto de impor respeito físico. É, provavelmente, uma reação ancestral, adquirida em tempos imemoriais, quando isso fazia grande diferença na vida de cada um. Esse impulso, no entanto, é temperado na maioria das pessoas pelo cálculo racional segundo o qual a disputa física raramente vale a pena. Com o maníaco por agressão é diferente. Esse tipo de gente surge quando alguns fatores adicionais se conjugam. Em primeiro lugar, é preciso ser mais agressivo do que a média das pessoas — e isso nada tem a ver com jiu jítsu. Depois, ser brigão exige certa obtusidade intelectual. As técnicas de luta oferecem um meio pelo qual se podem exteriorizar impulsos agressivos. As academias e o grupo fornecem, finalmente, o ambiente no qual a pancadaria é promovida como coisa meritória." (PINHEIRO e FRANÇA, 1999, Disponível em acesso em 11/09/2011) Mais uma vez, o próprio artigo enfatiza que o que é determinante nos acontecimentos de violência é a orientação comportamental dos indivíduos envolvidos e que tal comportamento não está diretamente ligado ao fato do individuo lutar Jiu Jítsu ou não. Porem a imagem da arte marcial já estava afetada pelo fato dela aparecer (estar visível na mídia) vinculada a fatos negativos. Em entrevista à Fausto Silva, ex-praticante da modalidade e entendendo que a imagem que estava sendo agregada ao Jiu Jítsu era equivocada, Helio Gracie, agora com mais de oitenta anos de idade, afirmou que: "[...] não há nenhuma arte, nenhuma profissão que seja responsável por agressões, por agressores ou infrações de qualquer tipo [...]nenhuma arte é responsável por um dos seus praticante, ser cafajeste, ser bandido ou ser ladrão.[...] o individuo que tem auto confiança, que acredita em si, não briga, ele não precisa brigar. Todo o brigador, meu amigos é um covarde.[...]" (Disponível em : acesso em 05/11/2011) Apensar do esforço de seus professores e praticantes em reverter essa visibilidade/imagem negativa, observa-se que aos olhos da sociedade esta arte marcial ganhou o status de marginal. Esse conceito junto a opinião pública desenvolve-se principalmente a partir da visibilidade midiática conferida a essa arte de forma equivocada, como fica evidente nos textos artigos apresentados anteriormente. Não se quer aqui ser determinista ao apresentar alguns fatos e não é foco desta monografia a análise daquilo que é vinculado sobre o Jiu Jítsu nos meios, a intenção aqui e apontar ou exemplificar de alguma forma que acredita-se que aquilo que ganha visibilidade na mídia pode contribuir para formar a imagem de algo perante a sociedade.

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