terça-feira, 22 de dezembro de 2015
APRESENTAÇÃO
Olá, seja bem vindo, meu nome é Mateus, e sou praticante da “Arte Suave” a mais de dez anos. Como não poderia ser diferente faço parte de uma legião de apaixonados pelo Jiu Jitsu e sempre procurei colocar o mesmo em sintonia com o momento que vivo. Isso foi levado ao pé da letra quando em 2011 encarei o desafio de estabelecer uma relação entre visibilidade, e a construção de imagem de uma arte marcial, no meu Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação – Habilitação em Relações Públicas da Universidade de Caxias do Sul. Encontrei muita dificuldade para dar embasamento cientifico ao trabalho, pois a bibliografia relacionada ao assunto era e ainda é fraca e com diversas contradições. Assim decidi publicar neste blog, o resultado da minha pesquisa a fim de auxiliar futuras demandas e informar aos que gostam, e buscam informações sobre a história do Jiu Jitsu no Brasil. Espero que aproveitem o conteúdo... Grande Abraço!!! Oss...
A ORIGEM DO JIU JÍTSU
Os registros históricos não são precisos, porém estima-se que os primeiros rudimentos do Jiu Jítsu tenham sua origem 2.500 a.C. da Índia. O grande marco do seu desenvolvimento se deu em paralelo com a disseminação do Budismo entre os séculos VI e IV a.C. como uma alternativa dos monges budistas (peregrinos) os quais eram por sua ideologia impedidos de usar armas mesmo que fosse em prol da própria defesa de sua vida. Esse contexto se deu a partir da sua ideologia forjada nos ensinamentos de Sidartha Gauthama , o Buda. (Disponível em http://www.cbjj.com.br/ - acesso em 28/10/2011)
[...] Ao norte da Índia, a algumas milhas acima de Benares, há 2.500 anos, nascia o príncipe Sidartha Gauthama, conhecido como Saquia Muni (Príncipe Solitário) que mais tarde veio a ser conhecido como Buda, o iluminado. A sua filosofia de vida deu origem à religião que leva o seu nome. Os monges budistas tinham por filosofia a disseminação dos ensinamentos de Buda e, com isso, eram obrigados a viajar por toda a Ásia a fim de cumprir esta determinação religiosa. O costume era viajar em duplas, mas mesmo assim os trajetos tornavam-se perigosos e era preeminente uma forma de defesa para os monges. O problema era que o budismo é completamente contrário ao uso de armas ou violência, portanto os métodos tradicionais de defesa eram impróprios. (Disponível em acesso em: 28/10/2011)
Não é necessário contextualizar o período histórico que acompanha a origem desta arte marcial. Basta mencionar que o termo usado em todo o sudeste asiático para definir este período bárbaro. Saques, conflitos armados, guerras, a essência violenta da natureza humana era a rotina que permeava as relações sociais. O Budismo, que forjava em seus princípios o revés deste contexto, esbarrava em uma dificuldade explicita de coexistir com esta realidade. Seus seguidores e propagadores (os monges) eram constantemente vitimados pelo violento e conturbado período. A não existência da ordem fez com que surgisse a necessidade de buscar uma forma alternativa de resistir a tais agressões, sem provocar o mesmo sofrimento aos seus agressores. Foi assim que uma pequena vila da Índia despertou a atenção dos monges. Seus moradores, a partir do estudo das articulações humanas e da observação da natureza, desenvolveram uma técnica que permitia a seus praticantes resistir a agressões sem o uso de armas e ao mesmo tempo preservar seus agressores sendo fatal apenas em último caso. Isso permitia aos praticantes do budismo preservar-se das agressões do período sem entrar em desacordo com sua ideologia religiosa. (Disponível em acesso em 28/10/2011.)
[...] existem cinco preceitos a serem seguidos no budismo: proibição de matar; proibição de roubar; proibição de ter relações sexuais ilícitas; proibição do falso testemunho; proibição de drogas e álcool. (Disponível em acesso em 25/10/2011)
Surgia assim uma arte de defesa pessoal e a referida técnica passou acompanhar os monges em suas peregrinações, percorrendo todo o sudeste Asiático, chegando à China Imperial. Na China, mas especificamente no vale do Rio Mekhong os monges enquanto catequizadores se depararam com grandes problemas de ordem social. Os aldeões das vilas chinesas eram constantemente subjugados por bandidos e salteadores e encontraram na arte de defesa trazida pelos monges budistas a alternativa de resistir a tais agressões. A técnica dos monges somada à realidade do cotidiano dos aldeões chineses (suas ferramentas de trabalho como foices, facões, espadas.) daria origem ao que conhecemos hoje como Kung-fu . (Disponível em acesso em 29/10/11)
[...] O Kung-Fu foi utilizado pelos monges budistas na china como forma de meditação e conhecimento de sua força interior; cada mosteiro desenvolvia uma técnica adaptada ao animal que mais se aproximava da crença do templo, haja vista os templos Shao-Lin. (Disponível em : acesso em 29/10/2011)
Historicamente, China e Japão sempre foram rivais e foi numa invasão chinesa ao arquipélago japonês que a arte marcial oriunda dos monges budistas chegou à terra do sol nascente. Lá encontrou terreno fértil junto a uma casta feudal de guerreiros especializada em combate conhecida como samurais. Os samurais ficaram impressionados ao tomar contato com tal técnica de combate passaram a dedicar-se a sua prática, aprimoramento e desenvolvendo dando origem a arte marcial japonesa que foi chamada de Jiu Jítsu ou “arte suave” em função da leveza de seus movimentos e a eficiência do seu emprego. Durante séculos, os japoneses aprimoraram tal arte e a mesma foi incorporada a cultura e as raízes desta nação, passando a ser um traço cultural passado de pai para filho, ganhando contornos de patrimônio do Império Japonês. O Japão vivia um período de grandes transformações internas que acabaram fechando a nação para o resto do mundo a partir da implantação do governo do Clã Yamamoto que unificou o país em um só império. (Disponível em acesso em 28/10/2011)
[...] Porém, foi no século IV da Era Cristã que o Japão conheceu o início de seu sistema de governo: a monarquia imperialista. O clã Yamato unificou os vários Estados sob um único imperador e deixou o país isolado, durante séculos, do contato com o exterior. Oito séculos mais tarde (século XII), os aristocratas militares, conhecidos como samurais, começaram a ganhar força e abalaram as estruturas da monarquia. Todo o país começou a ser dominado pelos senhores feudais japoneses, ou xoguns (ficaram no poder até o século XIX). Em 1603, o xogum Ieyasu Tokugawa estabeleceu a capital do país na cidade de Edo (atual Tóquio), proibiu o cristianismo (que começava a florescer por causa dos missionários jesuítas e protestantes) e fechou o país aos estrangeiros. Nos 250 anos seguintes, o único ponto de contato com o Ocidente foi um porto de comércio em Nagasaki. Nos anos seguintes o Japão abriu todos os seus portos para o comércio externo. Em 1868 começou a Era Meiji, quando assumiu o poder o imperador Mutsuhito. (Disponível em : acesso em 19/10/2011)
Ao abrir os portos japoneses ao resto do mundo (1877) o comércio com a Europa se intensificou rapidamente em especial com a Inglaterra. Naturalmente a arte marcial japonesa começa a chamar a atenção dos visitantes estrangeiros, porem os mesmos eram impedidos de ter acesso a tal arte uma vez que por um decreto imperial de Mutsuhito ensinar as técnicas de Jiu Jítsu a um estrangeiro configurava-se como um crime contra o Império. Porem, com o passar do tempo, e frente ao desejo de seus visitantes Mutsuhito, relaxou a tal decreto até mesmo porque o Jiu Jítsu (mesmo no Japão) tinha ganhado novo perfil (frente ao fato que o advento das armas de fogo tornavam a arte marcial inútil em combate), o de esporte a partir da revolução técnica implantada por Jigoro Kano,(conhecido como Jiu Jítsu moderno e posteriormente Judô) o qual passou a ser um porta voz do Império Japonês em inúmeras viagens a Europa e a América. Kano transformou o Judô em um esporte abrindo assim os conhecimentos das técnicas marcial ao resto do mundo onde a mesma popularizou-se e tornou-se um dos esportes mais conhecidos do planeta.
A CHEGADA DO JIU-JÍTSU AO BRASIL
A abertura dos portos japoneses ao resto do mundo em 1877 provocou grande transformação cultural naquele país. Logo os japoneses, começaram a migrar da sua península para colonizar outras partes do mundo e o Brasil foi um destes destinos. Belém do Pará foi um dos locais escolhidos para receber os imigrantes Japoneses. Mitsuyo Esai Maeda, ou Conde Koma como era conhecido, era lutador de Jiu Jítsu, que teve acesso a tal arte eu sua cidade natal, Aomori. Mitsuyo destacava-se por sua força e habilidade e rapidamente foi selecionado para viajar o mundo apresentando o novo método de Kano, até mesmo como uma forma de aproximação nipônica com todo o ocidente. Em 1904, Mitsuyo acompanhado de seu mestre. Tsujeniro Tomita, fazia uma apresentação marcial na escola de guerra de West Point, quando na final da mesma foram desafiados por um lutador de wrestling (luta greco-romana) e jogador de futebol americano. Tsujeniro, com mais de 40 anos na época aceitou o desafio e acabou sendo derrotado pelo norte-americano. Imediatamente, Mitsuyo subiu ao ringue e desafiou e venceu facilmente o norte-americano. Esse fato acabou gerando um desentendimento entre mestre e aluno os quais acabaram rompendo a relação. Tsujeniro voltou ao Japão deixando Mitsuyo à própria sorte. Ele tentou estabelecer-se na America através de sua escola de artes marciais porem sentia um forte sentimento anti-nipônico. Tornou-se assim um lutador profissional, porém a escola Kodokan não aceitava que seus alunos lutassem por dinheiro e acabou o expulsando. (GRACIE 2008)
Estes acontecimentos são comprovados pelo registro de Gracie (2008) quando ela afirma:
Ao terminaram a luta em West Point, Maeda e Tomita foram desafiados por um espectador, jogador de futebol americano e lutador de wrestling. Tomita, já com mais de quarenta anos, aceitou o desafiou e foi derrotado pelo desafiante. Maeda subiu imediatamente ao ringue e desafiou o americano impondo-lhe uma derrota. Tomida e Maeda se desentenderam e resolveram seguir caminhos diferentes, Tomita voltou a Japão e Maeda continuou na América, onde todas as suas tentativas de abrir academias de Jiu-Jítsu foram mal sucedidas (GRACIE, 2008, p.37)
É importante mencionar que muitos mestres de Jiu Jítsu não aceitavam as mudanças implementadas por Jigoro Kano, e deixaram o Japão a fim de seguir ensinando o Jiu Jítsu tradicional.
Abandonado à própria sorte na América, e na companhia do seu compatriota Inomata, Mitsuyo decide viajar ao Brasil onde chegou em 1914, atraído pela grande fase que vivia o norte do país em função do ciclo da borracha.
Maeda, que havia sido Sensei da academia Kodokan de Judô de Jigoro Kano, tornou-se um grande amigo de Gastão Gracie, empresário influente da época que ajudou Maeda nos seus primeiros anos no Brasil. Como forma de agradecimento, Maeda que também era um grande lutador prontificou-se a ensinar sua arte marcial a Gastão, o qual ofereceu seu filho mais velho Carlos para tornar-se aprendiz de Maeda, pois o menino então com quinze anos possuía um perfil bastante agressivo o qual seu pai pensou que pudesse ser moldado por uma arte marcial. (GRACIE, 2008)
Assim, a partir da chegada Maeda no Brasil, e dos ensinamentos transmitidos a Carlos Graice, inicia-se o processo de criação de uma nova modalidade marcial que viria a ser conhecida como Jiu Jítsu Brasileiro, Brazilian Jiu Jítsu ou BJJ
A VERSÃO PARALELA DA CHEGADA AO BRASIL
Tema com muito a ser explorado ainda, a vida de Mitsuyo Maeda, maior lutador que o mundo conheceu, ainda esconde detalhes que aguçam a curiosidade dos pesquisadores e amantes das lutas.
Cada nova descoberta sobre a vida do Conde Koma ajuda a traçar com maior clareza como, quando e por onde andou o homem responsável por provar a supremacia do Judo de Kodokan e posteriormente por ensinar e dar oportunidade a Carlos Gracie criar a maior família de lutadores do planeta.
O trabalho de pesquisa sobre Maeda teve início com Stanlei Virgílio, Rildo Heros, José Tuffy Cairus e inspirou outros pesquisadores como Fabio Quio Takao, Elton Silva e Luiz Otavio Laydner que também contribuíram muito para enriquecer esse acervo. Com a crescente popularização das artes marciais, especialmente do Jiu Jitsu Gracie, cresce também o número de interessados em entender com detalhes como foi o início dessa saga.
Uma das novas descobertas altera a data e local de chegada ao Brasil de Maeda, que até então era tido como 14 de Novembro de 1914 em Porto Alegre.
Segundo o pesquisador Fabio Quio Takao: “De acordo com os novos documentos, ainda não temos a nova data exata da chegada de Maeda, mas certamente foi entre os primeiros dias de Julho de 1914, no porto de Santos. A comprovação é o anúncio do Jornal o Estado de São Paulo de 17 de Julho de 1914 onde um professor de Jiu Jitsu oferece aulas no bairro da Liberdade, tradicional reduto dos japoneses recém-chegados a São Paulo.”
Provavelmente após conhecer os potenciais locais de apresentação e promotores, Maeda realizaria suas primeiras demonstrações. O jornal Correio Paulistano de 23 de Setembro de 1914 fazia menção sobre a apresentação de um grupo de japoneses no Theatro Variedades, agora sim, citando o Conde Koma: “Estréia da afamada troupe de luctadores japonezes de jiu-jitsu dirigida pelo campeão mundial Conde Koma”.
Entre os combates em que tomaram parte os membros da trupe, além de Maeda e Satake, temos a participação de Okura, e uns tais Matsuura e Akiyama, esse último apresentado como “campeão de Tokyo”. De Raku e Shimizu, dois nomes que acompanharam Maeda e outras apresentações, nenhum sinal.
O Theatro Variedades era um local onde se apresentavam diversos cantores e artistas internacionais e estariam na mesma programação que seria encerrada por Maeda.
Luiz Laydner observa: “A temporada da trupe no Variedades esclarece que o Conde Koma não se apresentava no estilo “Clube da Luta”, em locais mal iluminados, nas zonas periféricas.”
Anúncio publicado no Jornal o Estado de São Paulo de 17 de Julho de 1914. O nome de Maeda não aparece ainda, porém algumas semanas depois as apresentações da trupe tem início.
Em relação a denominação Jiu Jitsu usada nos anúncios, Laydner reitera: “O grupo era apresentado como mestres de Jiu-Jitsu e não de Judô, e a qualificação de Maeda como campeão mundial. Obviamente isso não deve ser sugerido como prova de que Maeda representava o antigo ju-jutsu japonês. Nessa época, o nome judô ainda era virtualmente desconhecido no Brasil e não faria sentido as apresentações serem assim anunciadas. Sobre a alcunha de campeão, obviamente ainda não houvera campeonato mundial nem de judô nem de jiu jitsu, de forma que atribuímos o título de campeão mundial a um certo marketing pessoal de nosso caro Conde Koma.”
Aparentemente o público gostou do espetáculo de estreia, pois os jornais do dia seguinte traziam: “Sucesso assombroso da afamada troupe de luctadores japonezes”. A temporada no Variedades foi até o dia 22 de Outubro com grande sucesso de público. Após seu encerramento, o grupo se apresentou em curta temporada entre 12 e 15 de Novembro no Circo Spinelli.
O Spinelli era um circo-teatro montado há apenas alguns quarteirões do Variedades, no Largo do Arouche e que atraia um público bem diverso do Variedades e que ainda não havia assistido à apresentação dos japoneses.
Após a temporada na capital paulistana, só voltaremos a ter notícias do Conde Koma e sua trupe no final de Dezembro de 1914, em Ribeirão Preto, em curta temporada no Theatro Polytheama do empresário François Cassoulet. Provavelmente as apresentações no Polytheama foram parte de uma tournée maior pelo interior da São Paulo do ciclo do café e cujo registro completo não foi encontrado.
Um mistério que permanece é sobre a data e local informados no passaporte de Maeda: 14 de Novembro de 1914 em Porto Alegre. Nesse exato dia, como vimos, a trupe do Conde Koma se apresentou no Circo Spinelli em São Paulo, já se encontrando no Brasil há pelo menos dois meses.
Pela quantidade de jornais mencionando a passagem de Maeda por São Paulo nessa data e pelas conhecidas dificuldades da época na emissão de documentos com dados confiáveis é bastante provável que a data da passagem de Maeda por Porto Alegre tenha sido registrada ou informada de forma equivocada.
Para surpresa de muitos e provavelmente fato desconhecido até mesmo da família Gracie, a cidade que se tornaria o berço do Jiu Jitsu Gracie já havia recebido a visita do Conde Koma.
Em 11 de Março 1915, anuncia-se no Rio de Janeiro algo inusitado: a realização do 2° Campeonato de Jiu Jitsu. Fica a dúvida se já houvera outro evento considerado por Maeda como sendo o 1° ou se isso fosse algum tipo de manobra para atrair mais atenção do público.
A Gazeta de Noticias anunciava:
“Fazem parte da ‘troupe’ os seguintes lutadores: Conde Koma, campeão mundial; Satake, campeão de Nova York; Okura, campeão do Chile; Matsuwra, campeão do Peru; Hara, campeão de Tokyo; Ja se acha no Rio o campeão da America do Norte Akiyama.” Como em São Paulo, nada de Shimizu nem de Raku.
Em entrevista a jornalistas, Maeda apresenta o grupo e lança o desafio aos cariocas oferecendo 5000 francos a quem o vencesse e 500 francos a quem lhe resistisse mais do que 15 minutos. É curioso que a quantia seja oferecida na moeda francesa e não na moeda brasileira na época, o conto de reis. A razão provavelmente nunca saberemos, mas no âmbito das conjecturas, podemos supor que Maeda tenha obtido esses francos em sua estada na Europa e os tenha preservado até o Brasil oferecendo-os a quem o vencesse, por onde passava.
Numa aproximada conversão de valores, 5000 francos equivaleriam hoje a aproximadamente 20000 dólares, uma quantia considerável para um desafio. Isso reflete a total confiança de Maeda em suas habilidades e também sua superioridade técnica, pois tal premiação se limitava apenas a adversários que vencessem o Conde Koma, mas não seus colegas na trupe que, como veremos, também aceitavam desafios.
Na mesma entrevista Maeda também apresenta e qualifica seus companheiros:
“Conde Koma, campeão mundial, vencedor da grande prova realizada na Inglaterra em 1914(seria esse o 1° Campeonato Mundial considerado por Maeda?);
Satake, campeão de 1913 em Nova York; Shimuzu, campeão do Peru; Okura, campeão em 1914 no Chile; Raku, campeão em 1913 no México”
A descrição dos membros da trupe diverge daquele primeiro anúncio de sua vinda para o Rio de Janeiro, assim como também diverge dos lutadores que sabemos que se apresentaram em São Paulo.
Aqui aparece a formação “clássica” do grupo, da qual podemos ter razoável grau de certeza devido a lista acima ter sido apresentada pelo próprio Maeda em entrevista e por terem sido efetivamente esses os lutadores que se apresentaram no Rio de Janeiro.
As explicações para essa inconsistência podem ser várias. Uma delas é que a composição da trupe fosse variável, tendo Maeda, Satake e Okura como núcleo e os demais se alternando à medida que viajavam pelo mundo.
Foto tirada em Cuba-1912, onde aparecem parte do grupo que se apresentaria 2 anos mais tarde no Brasil. Da direita para esquerda: Conde Koma, Tokugoro Ito, Nobushiro Satake e Shutaro Ono, esse último o único a não vir ao Brasil.
Alternativa mais provável é que alguns membros do grupo se apresentassem sob pseudônimos ou nomes artísticos. Sabemos ser esse pelo menos dois casos: o do próprio Maeda,chamado de o Conde Koma e de Raku. É possível que Matsuwra, seja na realidade Shimizu e que Haru seja de fato Raku transcrito incorretamente. Quanto ao misterioso Akiyama, sabemos que esse não se apresentou no Rio de Janeiro.
Por ocasião de sua chegada ao Rio de Janeiro, Maeda introduziu os cariocas às regras das contendas que viriam a acontecer. Algumas regras deixavam clara a preocupação com a integridade dos lutadores, uma das diretrizes do Judo de Kodokan do qual Maeda era originário. Outras regras são com certeza resultado da longa experiência de Maeda em combates ao redor do mundo. Segundo o pesquisador Luiz Laydner :” a análise do texto com essas regras é muito importante, pois nos permite chegar a diversas hipóteses e conclusões”. Vejamos as regras e as conclusões:
“Regulamento da luta:
“1. Todo lutador devera se apresentar decente, com as unhas das mãos e dos pés perfeitamente cortadas;”
“2. Devera usar trage kimono, que o Conde Koma lhe facilitara.”
Maeda fazia questão do uso do kimono, sem o qual a aplicação de sua técnica ficaria muito prejudicada. A experiência com Wrestlers que lutavam sem camisa com certeza influenciou a adoção dessa regra.
“3. Não á permitido morder, arranhar, pegar com a cabeça ou com o punho;”
Nas apresentações feitas no Rio de Janeiro, concluímos então que as lutas não eram o que viria a se chamar “Vale Tudo”.
“4. Quando se fizer uso do pé nunca se fara com a ponta e sim com a curva;”
Novamente, uma regra que limitava o uso de chutes.
“5. Não se considera vencido o que tenha as espáduas em terra ainda que tenha caído primeiro;”
Mais uma regra que limitava a ação típica dos wrestlers e também se opunha a tendência do Judo Kodokan, que já nessa época adotara a regra de vitória por Ipon, ou golpe perfeito.
“6. O que se considera vencido o demonstrará dando três palmadas sobre o acolchoado e sobre o corpo do adversário;”
Assim como a regra 5, notamos aqui uma enorme semelhança com as regras do Jiu Jitsu esportivo atual, onde o objetivo era a finalização do adversário.
“7. O juiz considerará vencido o que por efeito da luta não se recorde que deve dar três palmadas;”
“8. As lutas se dividirão em rounds ou encontros de 5 minutos por 2 de descanso. Tendo o juiz de campo que contar os minutos em voz alta para Maior compreensão do público;”
“9. Se os lutadores caírem fora do tapete, sem que nenhum deles tenha avisado, o Sr. Juiz deve obrigá-los a colocar-se de novo no centro do acolchoado, em pé, frente a frente;”
Essa era a única condição para que a luta retornasse de pé assegurando, portanto, que a luta no solo fosse garantida e até mesmo priorizada. Junto com as regras 5 e 6, Maeda buscava somente as finalizações, o que seria uma tendência seguida pela primeira geração da família Gracie
“10. Substituirão em suas obrigações ao sr. Juiz os srs. Jurados. Nem a empresa nem o lutador que vencer é responsável pelo Maior mal que possa sobrevir ao vencido, se por tenacidade não quiser dar o sinal convencionado para terminar a luta e declarar-se vencido;”
“Ficam convidados os doutores em medicina, os representantes da imprensa local e os professores de physica e esgrima que se encontrarem no recinto a tomar parte no júri,...”;
Novamente outra demonstração com a segurança dos lutadores.
Sob o comando de Maeda,o espetáculo alternaria o “campeonato” onde se enfrentariam os membros da trupe, demonstração de técnicas de defesa pessoal, contra “diversos ataques por faca, soco, gravata, etc” além da demonstração dos diversos “golpes, inclusive os proibidos”. Além disso, o desafio aberto ao público também faria parte da temporada.
Nessa nova viagem do grupo de japoneses, é possível imaginar a dificuldade da viagem por terra pela antiga estrada União e Indústria, a primeira estrada pavimentada do Brasil que ligava o Rio de Janeiro a Belo Horizonte. Mas a determinação do grupo era notável e no meio do caminho a trupe exibiu-se em Juiz de Fora-MG, em curta temporada, no teatro Polytheama, estreando em 24 de Junho de 1915.
Sobre essa temporada em Minas Gerais não foram encontrados registros, e em 3 de Agosto, Maeda, Satake, Shimizu, Okura e Raku já haviam retornado ao Rio de Janeiro e embarcam no paquete Itapema rumo a Recife.
É nesse momento que entra em cena um personagem ausente até então: Tokugoro Ito. Tokugoro já havia acompanhado Maeda em Cuba, mas aparentemente não havia participado de nenhuma apresentação em São Paulo e no Rio de Janeiro, a menos que tenha usado algum pseudônimo.
Já em 26 de Agosto de 1915 a trupe estreia em mais uma temporada, dessa vez no Theatro Moderno da empresa Bandeira e Cia, no Recife. O misterioso Akiyama está de volta e seja quem for, participou da tournée da trupe em São Paulo, mas por alguma razão esteve ausente no Rio de Janeiro e novamente se juntou ao grupo em Recife onde temos registro de pelo menos duas lutas suas.
Por outro lado sabemos que Tokugoro Ito partiu do Rio com Maeda e seus demais companheiros no Itapema, conforme comprova o manifesto informando o nome dos passageiros publicado no jornal Gazeta de Noticias. Fica a questão: será que Akiyama era na realidade Ito, por alguma razão apresentando-se sob um pseudônimo?
O fato é que entre 26 de Agosto e 6 de Setembro a trupe se apresentou no Theatro Moderno, no formato já conhecido: lutas entre os membros do grupo e desafio do Conde Koma valendo 5.000 francos a quem o vencesse ou 500 francos a quem lhe resistisse por 15 minutos.
De luta contra desafiantes externos temos registro de apenas uma, de Okura contra Bianor de Oliveira. Finalmente em Outubro o grupo chegaria ao Pará, onde se apresentaria em temporada em Belém, no Bar Paraense. Em Dezembro a trupe se apresenta em curta temporada em São Luis, capital do Maranhão, no Theatro Cinema Palace entre os dias 7 e 10 de Dezembro de 1915 antes de finalmente chegar a Manaus, numa fase um pouco mais conhecida da vida do Conde Koma.
Conforme pudemos verificar, a vida de Mitsuyo Maeda é fonte quase inesgotável de aventuras e certamente ainda possui muito a ser descoberto. Segundo Quio Takao: “Com essas novas descobertas em relação à nova data de chegada de Maeda ao Brasil e sua passagem por Minas, Rio de Janeiro e São Paulo, temos muito mais a garimpar. Temos também um livro escrito pelo próprio Maeda aguardando alguma federação, empresa ou entidade que dê apoio para financiar sua tradução”.
Além disso, outras linhas de pesquisa abordam outros aspectos da vida e da influência que Maeda eventualmente tenha deixado em suas viagens. Novamente segundo Takao: “Tenho pesquisado também a possível influência de Maeda sobre o início do Judo no Rio Grande do Sul. A gradual digitalização dos jornais da época e a descoberta de novas fotos têm ajudado a montar esse quebra-cabeça.”
Apesar da digitalização do acervo, o trabalho ainda é extenuante e segundo Laydner: “Ainda existem algumas lacunas a serem preenchidas na fascinante história do Conde Koma no Brasil, da trajetória precisa da trupe pelo interior de São Paulo e Minas Gerais até eventuais passagens por Porto Alegre e Salvador. Outra vasta área de pesquisa é o estudo de como evoluiu a técnica de Maeda ao longo de sua vida, do judoca da Kodokan no Japão, passando pelo wrestler que competiu no teatro Alhambra em Londres, pelo artista que se apresentou pelos palcos do Brasil até a convergência de volta ao judô kodokan ao longo de sua estada em Belém.”
Como vimos, os pesquisadores têm conseguido esclarecer muitos capítulos dessa epopeia e com isso atrair mais interessados nesse assunto que certamente está longe de se esgotar
O JIU-JÍTSU BRASILEIRO
O primeiro contato de Carlos Gracie com o Jiu Jítsu, foi a partir de uma apresentação pública de Mitsuyo Maeda, no Teatro da Paz em Belém do Pará. Carlos ficou impressionado com o desempenho de Maeda e da vitória da técnica sobre a força bruta.(GRACIE 2008)
Carlos que tinha seu pai, Gastão como um amigo de Maeda, estava empolgadíssimo com a oportunidade de praticar tal arte marcial o que fez questão de deixar evidente ao ser apresentado pessoalmente a Maeda o qual viu em Carlos o seu perfil refletido, gerando imediatamente uma grande empatia entre os dois, que a partir de então tornavam-se mestre e aluno. (GRACIE 2008)
Gracie (2008) narra um episódio da primeira aula de Carlos Gracie o qual parece ter sido determinante na dedicação do mesmo a partir de então:
"Logo na primeira aula de Carlos, Maeda pediu um voluntário para demonstrar uma técnica de estrangulamento que faria o oponente perder a consciência em segundos, sendo, naturalmente reanimado em seguida: era o “mistério da morte aparente”. Ninguém se ofereceu para a experiência; passaram-se alguns minutos e nada, silencio total; todos se entreolhavam apavorados. Carlos, embora com tanto medo quanto os colegas, mas disposto a demonstrar ao mestre que não temia nada, levantou-se e caminhou para o meio do ringue. Koma o encarou com admiração e preparou o estrangulamento. Passou a mão esquerda pelo lado direito do seu pescoço, e a mão direita pelo outro lado. Continuando a olhá-lo lentamente começou a pressionar os punhos contra seu pescoço, provocando-le falta de ar. De repente, o mestre parou e disse: “ Não Carlos, não vou fazer isso com você.” Sem dar explicações, chamou outro aluno e concluiu a demonstração. A principio Carlos sentiu um alivio, mas logo a seguir ficou decepcionado, sem entender o motivo que levara Koma a desistir de usá-lo na exibição. Quando a aula terminou, Koma o procurou. Elogiou sua demonstração de coragem e disse: “ Não convém a um grande campeão começar a aprender Jiu Jítsu perdendo a consciência” Satisfeito e ao mesmo tempo surpreso com a deferência, a partir daquele dia Carlos fez do Jiu Jítsu a paixão da sua vida. (GRACIE, 2008, p. 39)
A partir de então, Carlos dedicava-se incondicionalmente ao aprendizado daquelas técnicas. Entre idas e vinda de Maeda, foram três anos junto ao mestre que via em Carlos o perfil diferenciado frente aos demais alunos, tanto que o mesmo sempre permanecia ao final dos treinos a fim de depurar os ensinamentos. Por sua formação no Jiu Jítsu tradicional (o Jiu Jítsu dos samurais) Koma ensinava a Carlos técnicas que haviam sido descartadas pela escola Kodokan de Jigoro Kano, tornando assim o conhecimento transferido a Carlos diferente daquele que era praticado no resto do mundo. Aos 19 anos de idade, Carlos acompanha o resto de sua família para a cidade do Rio de Janeiro, trazendo consigo toda a experiência adquirida junto ao mestre Maeda o qual jamais voltou a encontrar. (GRACIE 2008)
No Rio de Janeiro, Carlos pouco praticava o Jiu Jítsu, mais como forma de brincadeira junto aos seus irmãos. Na época, a cidade era recheada por eventos de luta onde os praticantes de boxe (a elite carioca) e os praticantes da capoeira (luta marginalizada que havia sido proibida por vários anos) dividiam as vitórias. Carlos encontrou naqueles torneios de luta a oportunidade que buscava para tornar o Jiu Jítsu sua profissão. Passou então a disputar tais torneios e, por sua técnica ser desconhecida, surpreendia e vencia facilmente seus adversários, sempre mais fortes e pesados do que ele. Com isso, a técnica defendida nos ringues por Carlos começou a gerar interesse desde os seus oponentes derrotados ate os jovens que assistiam tais disputas. (GRACIE 2008)
Logo, o velho sonho de Carlos tornou-se realidade, uma vez inaugurada a academia Gracie de Jiu Jítsu na rua Marques de Abrantes, 106 começou a atrair o interesse a atenção de todos.É valido salientar que não havia este tipo de oferta no Rio de Janeiro, pois as técnicas de boxe, por exemplo eram ministradas nos clubes sociais e ficavam restritas ao quadro de sócios, geralmente membros da alta sociedade. A pesar de ter se iniciado na sala da casa de Carlos, rapidamente o número de alunos começou a crescer em função dos resultados que Carlos e seus irmãos obtinham em torneios e desafios feitos sempre aos campeões de cada modalidade marcial onde invariavelmente o Jiu Jítsu surpreendia e os fazia vencedores. (GRACIE 2008)
A CONQUISTA DA CREDIBILIDADE COMO ARTE MARCIAL – A ERA GRACIE
Embora o Jiu Jítsu começasse a trazer algum tipo de retorno, Carlos estava a frente de uma família que vivia sérias restrições financeiras. Cabia ao mesmo sustentar seus irmãos e mesmo frente a todas as privações que viviam, ressaltadas pelo fato da família Greice pertencer na sua maioria a aristocracia carioca (tios, primos), mantê-los acreditando na possibilidade de tornarem-se campeões de sucesso. Nesta época, o Brasil mergulhava numa violenta recessão alicerçada na economia dependente quase que totalmente do meio rural o que tornava a tarefa de manter a academia em atividade pois quase todo o material era importado o que fazia os preços dispararem a cada mês frente a uma moeda nacional cada vez mais enfraquecida. (GRACIE 2008)
Os Greice começaram a mudar este quadro na metade da década de 20 quando em função da grande repercussão conquistada pelo Barão de Coubertin com os VIII Jogos Olímpicos de 1924, entraram em evidencia o culto a forma física e os benefícios que estes novos hábitos trariam a saúde. Os jogos olímpicos de 24 foram fundamentais na cultura esportiva mundial, pois nesta edição, a imprensa internacional descobriu uma nova frente de informações que atraiam cada vez mais a atenção do público. (GRACIE 2008)
Com a imprensa a seu favor, Carlos e os irmãos Gracie, os quais já detinham certo reconhecimento público, passavam a valer-se das ferramentas midiáticas para conquistar novos alunos para aquela arte marcial que até então era de conhecimento restrito a poucos. A própria imprensa, ao perceber que o interesse pelo esporte, em especial pelas lutas só aumentava, passou a patrocinar eventos de combate dando destaque aos competidores que a partir de um cartel de vitórias acabava-se tornando um herói populares.
"Seguindo uma tendencia ja existente na Europa e nos Estado Unidos,impulsionada pelo advento das olimpiadas,o culto a saúde e ao corpo também entrou em voga no Brasil.No final da década de 1920 a imprensa passou a dedicar mais espaço aos esportes e também se tornou patrocinadora de competições amadoras de luta livre e greco-romana. Atraídos pelo sucesso desses eventos, alguns empresários do entretenimento perceberam que os programas de lutas eram lucrativos.Alem das competições esportivas,passaram a promover desafios entre lutadores,[...] Com o tempo, o apoio dos jornais fez aumentar a presença do público abrindo uma frente importante para os praticantes de todo o tipo de luta. (GRACIE, 2008, p.65)
A partir desta nova realidade, impulsionada pelos meios de comunicação de massa da época, os Gracie consolidaram sua imagem de esportista modelo e atrelaram a sua imagem aspectos positivos herdados dos costumes orientais baseados no respeito, na honra e na conduta regrada.
Logo, a academia de Carlos estava lotada. Todos estavam fascinados, jovens e até cidadãos proeminentes da aristocracia carioca (estes em função do prestígio social da família Gracie) vestiam seus kimonos e encantavam-se com os resultados físicos e morais obtidos a partir dos treinos. É importante mencionar que Carlos, sempre ministrou aos seus irmãos e alunos os princípios recebidos no seu convívio com Esay Maeda, o qual lhe ensinara que o domínio de uma arte marcial fortalecia não só o corpo, mas também a mente do homem dando-lhe maior segurança, autoconfiança e controle. Em paralelo, Carlos, Gastão e Oswaldo continuavam a ser bem sucedidos em suas lutas e desafios, ganhando cada vez mais atenção das mídias da época tornando o nome Gracie/Jiu Jítsu um sinônimo de sucesso e vitórias. (GRACIE 2008)
Porem, a grande revolução do Jiu Jítsu, aquela que acabaria transformando o Jiu Jítsu dos samurais no Jiu Jítsu Brasileiro estava por acontecer, na verdade já estava ali acompanhando aquele momento de ascensão do esporte, mas ao lado do tatame, observando, aprendendo e obstinado a ser notado, estava um menino, fraco e franzino, o caçula dos Gracie, Hélio.
HÉLIO GRACIE - O SURGIMENTO DE UMA LENDA
Caçula da família, Helio Gracie era diferente de seus irmãos. Depois de ter nascido saudável, entre os seus nove e 15 anos tornou-se um menino frágil e com problemas de saúde recorrentes. Hélio passara sua infância inteira na pior fase da financeira da família. No quarto ano do ensino fundamental, fora retirado da escola por sua família não ter condições de arcar com os custos do ensino particular, e ao mesmo tempo sua mãe Cesalina considerava uma desonra ver seu filho andando pela vizinhança com o uniforme de uma escola pública. Hélio vivia uma angustia profunda, sendo pela falta de um referencial paterno ou pela busca de uma maior atenção de seu irmão Carlos o qual por estar sempre focado nas necessidades financeiras da família e no aprimoramento técnico dos irmãos mais velhos não dava atenção ao menino. Hélio possuía uma saúde muito frágil, freqüentemente desmaiava sem motivo aparente, e acabou sendo impedido de praticar qualquer atividade física pelo médico da família. Assim, o menino ficava cada vez mais afastado da realidade dos irmãos, pois embora quisesse muito participar da rotina de treinos era repreendido toda a vez que tentava se aproximar do tatame. (GRACIE, 2008)
"A infância de Hélio deve ter sido tão difícil e dramática que ele apagou da memória os fatos até o momento que foi morar com Carlos,a ponto de depois de adulto não conseguir se lembrar de praticamente nada do que viveu nos seus primeiros onze anos de vida. Não sabemos se algum fato especifico causou a aminésia. É provável que uma soma de pequenos fatores tenha transformando sua infância num tempo de vida que não merecia ser lembrado. A diferença de idade entre ele e Carlos, onze anos,contribuiu para que o irmão mais velho não lhe desse muita atenção até levá-lo para morar com ele, acentuando ainda mais o sentimento de abandono e de carência que Helio devia sentir de uma referencia paterna." (GRACIE, 2008, p.68)
Mesmo com todo este contexto desfavorável, Hélio tinha um objetivo, assemelhar-se ao seu irmão Carlos o qual era sei herói e conquistar o seu respeito e reconhecimento. O menino, por não ir a escola assistia a todos os treinamentos e mentalmente repetias as posições de ataque e defesa. Aos poucos, quase que despercebido e por estar sempre pronto a cumprir qualquer tarefa solicitada pelos irmãos mais velhos Hélio começou a participar dos treinamentos. Mesmo repreendido por Carlos, seguia sorrateiramente integrando-se a rotina dos seus irmãos. Quando Carlos se deu conta, Hélio já tinha se tornado um de seus alunos mais aplicados e resolveu fazer vistas grossas às restrições médicas do irmão.
Certa tarde, na nova academia, Hélio com quinze anos então recepcionou um importante cidadão carioca da época, Mário Brandit funcionário de alto escalão do Banco do Brasil que havia contratado Carlos para uma serie de aulas particulares. Carlos não estava presente e Hélio preocupado em sanar a falha do irmão se ofereceu a Mario para iniciar o treinamento. Sem opção Mario aceitou a oferta de Hélio. Passado praticamente todo o período do treino, Carlos chegou muito preocupado com o fato de ter se ausentado do compromisso e ao procurar Mário para justificar o atraso, foi surpreendido pelo mesmo que elogiou a postura de Hélio como professor e pediu que o mesmo substituísse a Carlos em seu treinamento a partir dali. Carlos impressionou-se com a reação de Mario que havia enxergado em Hélio uma maior didática para ministrar as aulas. A partir de então, Carlos reconheceu em Hélio um talento tanto para ministrar aulas quanto para a competição e passou a dar a ele a mesma atenção que dava a George e Oswaldo. Logo Hélio superou tecnicamente seus irmãos e tornou-se o principal referencial técnico dentro da academia Gracie. (GRACIE, 2008)
Hélio, ao mesmo tempo, ganha uma profissão e um problema. Magro e fisicamente mais fraco que os irmãos ele não tinha a força necessária para executar determinadas posições e acompanhá-los. Conforme ele mesmo confessara quando questionado sobre como havia criado a Jiu-Jítsu Brasileiro; “[...] Não sei, porque não foi feito com inteligência, mas com instinto. É como você sentado, cansa da posição e cruza a perna. Sem pensar. Da mesma forma aperfeiçoei a técnica, sem mérito mais porque era preciso.” (GRACIE apud ATALLA, 2001, p. 27)
Logo, Hélio começou a participar das lutas e conquistar grande atenção por parte de espectadores e imprensa, pois apesar de esguio e leve (Hélio pesava sessenta quilos) ele sempre derrotava seus adversários, mesmo sendo eles vinte ou trinta quilos mais pesados que ele próprio, pois a partir de seu talento natural desenvolvera uma técnica própria a qual ninguém conhecia e que dava a ele um grande diferencial era o Jiu-Jítsu Brasileiro ou Brazilian Jiu-Jítsu.
A partir da visibilidade conquistada por Hélio, o Jiu-Jítsu tornou-se uma febre carioca. A academia possuía filiais por toda a cidade e os eventos nos quais Hélio e os irmãos participavam ganhavam notoriedade no Brasil e até mesmo no exterior. O sobrenome Gracie havia se tornado uma marca, a qual carregava consigo o status de vitoriosa e formadora de cidadãos de bem. Pode-se citar algumas personalidades nacionais que passaram pelo tatame dos Gracie como o arquiteto Oscar Niemeyer, o ex-presidente da república João Batista Figueiredo, e o pioneiro da televisão no Brasil e magnata da Comunicação entre as décadas de 1930 e 1960 Assis Chateaubriand, o qual dava ao Jiu Jítsu uma atenção especial por ser amigo pessoal da família Gracie e um entusiasta do esporte.
"[...]Chateaubriand foi um magnata das comunicações no Brasil entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1960, dono dos Diários Associados, que foi o maior conglomerado de midia da America Latina, que em seu auge contou com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica” (Disponível em: - acesso em 02/11/2011)
A visibilidade que os Gracie e o Jiu Jítsu conquistaram na metade do século passado, especialmente sobre o apoio de Assis Chateaubriand fazia a imagem do Jiu Jítsu de um ideal, objetivo e meta pessoal de muitos jovens.
Gracie (2008) narra dois fatos impressionantes que mostram a imagem que o Jiu Jítsu possuía na época e a visibilidade que as grandes mídias ofereciam a este esporte fazendo do mesmo um elemento participante até mesmo das primeiras transmissões da televisão no Brasil:
E foi assim, que no dia 20 de janeiro do ano seguinte, dia de São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio de Janeiro, às 12:49m, o aparelho de TV que Oscar trouxera dos Estados Unidos estava sintonizado na canal 6 no instante em que no alto do Pão de Açúcar, o presidente Eurico Gaspar Dutra em um de seus últimos atos oficiais, acionou o transmissor. A rede Tupi de Televisão da cidade maravilhosa estava no ar. [...] o locutor Luis Jatobá anunciou as atrações da festa: Mazzaropi, até então um comediante do rádio vindo do circo, o grupo vocal “Garotos da Lua” do qual participava João Gilberto sete anos antes de inventar a Bossa Nova, a Orquestra Tabajara, big-band do maestro Severino Araujo, e a Academia Gracie versus cinco “trabalhadores da resistência” do Mercado Municipal da Praça XV, a partir das 22 horas, numa serie de lutas em homenagem ao Diários Associados. Era mais um confronto entre a arte suave e a força bruta para mostrar a eficiência do Jiu-Jítsu. Os estivadores que se gabavam de “jogar pingue-pongue com fardos de 100 quilos” estavam certos da vitória. O público que aguardava em casa a transmissão ao vivo viu o 1,80 metro de altura e aos 107 quilos de músculos de Duarte Enéias, de 20 anos, serem jogados para o alto por golpes de alunos da Academia Gracie, muito menores e mais fracos.[...]Vale ressaltar que a Tupi de São Paulo, havia exibido em dezembro o primeiro tele curso da história da televisão brasileira:um curso de Jiu Jítsu ministrado por Carlos e Helio Gracie. (GRACIE, 2008, p. 250 e 251)
Mas o maior exemplo da importância que o Jiu Jítsu gozava na época, foi a mítica visita em 1951 ao Brasil,da equipe japonesa de Jiu Jítsu, a qual contava com a participação dos respectivamente campeão e vice-campeão mundiais da modalidade, Kimura e Kato, patrocinada pelo Jornal São Paulo Shimbum. (GRACIE 2008)
A família Gracie na época já havia construído seu império esportivo, e Hélio já pensava em abandonar os ringues, mas a pressão da mídia e o desafio lançado pelos japoneses mexeu mais uma vez com o espírito combativo de Hélio, que então já estava com 39 anos de idade e cinco dias antes havia fraturado duas costelas. Kimura (o campeão mundial) ao conhecer Hélio, desmereceu o adversário frente a sua aparência frágil. Negou-se ao combate e destinou Kato ao enfrentamento. Então, no dia 06 de setembro de 1951 no novíssimo Estádio Mario Filho (o Maracanã), Kato, 15 quilos mais pesado e 17 anos mais jovem enfrentava a já lenda carioca Hélio Gracie. A luta, após três raunds de dez minutos acabou empatada, porem o Jornal O Globo na manhã seguinte estampava a seguinte noticia:
[...] Assim, chegamos ao fim do primeiro raund, sem ver o japonês cumprir sua promessa de vencer facilmente e Hélio, absolutamente frio já conhecedor dos movimentos de seu adversário. [...] e Kato só não foi derrotado graças ao recurso de levar o antagonista para fora do tablado, o que lhe valeu ser vaiado pela assistência” (O Globo, 1951 apud ATALLA 2001)
A comitiva japonesa e o próprio Kato não aceitaram o resultado da luta e solicitaram uma revanche que foi realizada em São Paulo, no Estádio do Pacaembu no dia 29 do mesmo mês. Já conhecedor da repercussão proporcionada pela imprensa, e especialista na autopromoção da sua imagem, Hélio declarou: “[...] Sei o que vou enfrentar. Estudei devidamente as possibilidades de Kato, e lhe faço uma advertência: a vitória desta vez, está nos meus planos” (ATALLA, 2001, p. 27)
E realmente a vitória se seguiu. O Jiu Jítsu Brasileiro havia superado o seu precursor. A noticia da vitoria de Hélio sobre Kato em São Paulo correu o planeta e fez de Hélio mais uma vez o proeminente herói de uma nação.
Imediatamente após ser declarado vencedor da luta, Hélio é surpreendido pelo compatriota de Kato, Kimura (então campeão mundial) que invadiu o ringue e desafiou Hélio ali mesmo, chegando a declarar que começaria a luta deitado e que se o brasileiro resistisse a mais de três minutos lhe entregaria o titulo de campeão do mundo.
Foi assim, que no dia 23 de outubro daquele mesmo ano, novamente no Estádio do Maracanã, com o recorde absoluto de bilheteria para um evento de luta (trezentos e trinta e nove mil cruzeiros) e sobre o olhar do vice-presidente da república Café Filho, Hélio Graice enfrentou o quarenta quilos mais pesado e campeão do mundo Kimura: (ATALLA, 2001)
[...] um Kimura ostentando físico e preparo de atleta.Senhor absoluto do Japão. E ainda assim, o Gracie resistiu mais de 13 minutos (uma luta de judô nas Olimpíadas tem cinco minutos, e de wrestling, no Maximo nove) ao pique da máquina nipônica, quando foi pego pela maior arma do oponente, uma torção de braço que Carlos pensou que pudesse aleijar o irmão e o fez jogar a toalha. (ATTALA, 2001, p. 31)
Findava ali, frente a desistência por parte de seu córner a carreira de lutador de Hélio Gracie mas não sem antes mudar a história das artes marciais. O Jiu Jítsu era conhecido e respeitado em todo o país, e o mundo inteiro já olhava para aquela nova maneira de se lutar com respeito e admiração pois a partir do seu emprego, o fraco poderia vencer o forte, coisa até então nunca proporcionado por nenhuma outra forma de combate. Ao sair do Maracanã, Hélio transmitiu a imprensa que sua carreira de lutador chegava ao fim. A partir de então, começou a trilhar o caminho do seu próprio clã junto com seus nove filhos os quais também escreveram seus nomes na historia mundial das artes marciais. (ATALLA, 2001)
Neste momento, é importante salientar como a imagem e a visibilidade que os Gracie conquistaram para o Jiu Jítsu fora fundamental para o crescimento e a consolidação de uma modalidade marcial que se iniciou na sala de visitas da casa de Carlos e acabou por bater todos os records de arrecadação na luta de Hélio e Kimura no Maracanã. Fica evidente o poder midiático nesse processo de construção de uma imagem vencedora e defensora dos valores nacionais. Também é possível verificar o interesse por parte das grandes mídias em levar a público aquilo que é capaz de se transformar em espetáculo tornando-se natural a sua aceitação por parte do público, garantindo a audiência às grandes mídias e as viabilizando comercialmente.
[...] na medida em que acontece a “autonomização” do espetáculo, desprendendo-o de alguma relação com o transcendente, e a sua “libertação” dos limites impostos pelo espaço geográfico, através dos aparatos sócio-tecnológicos de comunicação, pode-se pensar no espetáculo como “principio organizador da vida [...] situação na qual o fato de algo ser mostrado para um público espectador se torna crescentemente interpretado como precondição (e critério de avaliação) da sua importância [...] (Albuquerque, 1994, p. 19)
Essa questão do espetáculo e a capacidade tecnológica incorporada as grandes mídias podem ser percebidas na seqüência do trabalho quando fala-se do surgimento do M.M.A , curiosamente criado pela família Gracie, e sua popularização por todo o planeta o tornando um dos esportes mais assistidos da atualidade.
O M.M.A. - O JIU-JÍTSU VIRA UMA NECESSIDADE PARA OS LUTADORES
Rórion Gracie, filho mais velho de Hélio, havia crescido ao lado do tatame do seu pai. Ouvia atentamente as histórias do passado vitorioso da família e tudo que tinham superado até conquistar a posição que desfrutavam. Rórion sempre praticou Jiu Jítsu, mas ao mesmo tempo, baseado na própria história de seu pai aplicava-se nos estudos e era um aluno exemplar. Jovem ainda, ele graduou-se em direito sendo reconhecido pelo próprio pai como um referencial de inteligência e de caráter da família. (ATALLA, 1999)
Nos anos 70, empreendedor por natureza e incentivado pelo pai, Rórion mudou-se para os Estados Unidos onde tinha por meta levar o Jiu Jítsu Brasileiro para solo americano. (dai surgiu o termo Brazilian Jiu Jítsu) Naturalmente a tarefa mostrou-se muito difícil pois até sua chegada, pouco se conhecia sobre o BJJ e a resistência a nova arte marcial era natural.
Rórion, obstinado com a idéia de popularizar o Jiu Jítsu na América, dava aulas particulares e coletivas na garagem de sua casa e cada aluno que trouxesse um novo interessado, ganhava algumas aulas gratuitas. Assim, de forma tímida pois não dispunha de recursos, Rórion começou a aumentar o número de alunos revivendo a história brasileira de seu tio Carlos. Aos pouco, o número de alunos foi aumentando até que em 1993 ele abriu sua primeira academia de artes marciais. (ATALLA, 1999)
"Dava aulas na minha garagem e quem levasse um amigo ganhava uma aula de graça.o negocio foi crescendo e abri uma academiazinha em janeiro de 93, com essa propaganda boca a boca já tinha conseguido convencer muita gente que o Jiu Jítsu e a melhor arte marcial do mundo." (ATALLA, 1999, p. 29)
Foi quando conversando com um de seu alunos, que tinha algum envolvimento com o marketing, Rórion imaginou a possibilidade de realizar na América aquilo que os Gracie já faziam no Brasil a mais de sessenta anos. Um campeonato de vale-tudo que pudesse ser vendido às emissoras de televisão em forma de um show. Rórion sabia do interesse dos americanos pelas disputas de combate e imaginou que sua tarefa de popularizar o Jiu Jítsu seria facilitada. Assim estava lançado o embrião do Ultimate Fighting Championship (UFC) que acabaria se transformando principal e precursor de todos os eventos de luta da atualidade. (ATALLA, 1999)
Projeto concluído, Rórion vai até Nova Iorque e apresenta sua idéia de show à War of Worlds (Mundo das Lutas) onde sua idéia foi bem recebida e a promessa de transmissão garantida a partir da realização do evento. Mais uma vez, sem recursos financeiros, ele associa-se a alguns alunos, desenvolve com o auxilio de um produtor de cinema o hoje mítico octógono (ringue de luta do UFC) e levanta a quantia de U$ 150 mil dólares (o suficiente para alugar uma arena, pagar médicos, ambulâncias, passagem e hospedagem para os atletas e um prêmio em dinheiro que fosse interessante aos competidores). Já no inicio, eles enfrentaram uma forte resistência promovida pela federação de boxe norte-americana que monopolizava os eventos de luta proibindo, na maioria dos estados, as lutas de esportes que não fossem olímpicos. Isso fez Rórion chegar a Denver (Colorado) onde não havia tal restrição. Ele enviou às maiores revistas (especializadas) do mundo a noticia do evento e passou a selecionar os oito melhores atletas a partir dos currículos que recebia, na realidade os sete pois a oitava vaga já estava reservada ao seu irmão Royce por dois motivos especiais. (ATALLA, 1999)
"[...] o primeiro uma questão de solidariedade.o Royler já tinha morado comigo e voltado para o Brasil, o Rycson tinha resolvido fazer o próprio negócio, e o Royce não, se manteve no barco comigo. Passamos por dificuldades financeiras, até fome juntos. Ele é mais que meu irmão e na hora que perguntei se ele queria ele respondeu “Eu entro”. Tava feito. A outra razão,foi o jeito de Royce: 27 anos, magrelinha, era o exemplo Maximo do Jiu Jítsu que eu estava promovendo. [...] O mundo quer ver a técnica do Davi vencer o Golias, e não o Golias dar porrada no Davi" (ATALLA, 1999, p. 29)
E Rórion estava mais uma vez certo, Royce nas quatro primeira edições do UFC deixou o mundo maravilhado com a aquela incrível técnica que fazia com que um homem comum enfrentasse adversários maiores e mais fortes que também tinham grande conhecimento em artes marciais. O público presente ou aquele que assistia via pay-per-view estava encantado com aquela nova arte marcial que permitia ao fraco e pequeno vencer o forte. Logo as academias de Jiu Jítsu norte-americanas estavam lotadas e com filas de espera, tanto que em 1997 a nova academia de Rórion foi considerada pela revista Martial Arts Professional a melhor academia de artes marciais dos Estados Unidos. (ATALLA, 1999)
Os próprios adversários de outras modalidades de luta perceberam que não seria possível confrontar os lutadores que tivessem o Jiu Jítsu como base, sem ao menos compreender a essência dessa nova arte marcial e tornaram-se praticantes dessa nova modalidade. O Brasilian Jiu Jítsu tornava-se a nova realidade daquele novo estilo de luta, o M.M.A. ou Mixel Marcial Arts e seu sucesso se multiplicava por todos os eventos de vale tudo pelo mundo.
O interesse por este tipo de evento se multiplicava. Logo o que começou com uma idéia de divulgação do Jiu Jítsu por parte de Rórion tornou-se um negócio milionário atraindo uma legião de fãs por todo o mundo. Isso despertou o interesse de grandes empresários do entretenimento e em 2001 Dana White e seus sócios Lorenzo e Frank Fertitta fundam a empresa Zuffa Entertainment e compram o UFC por U$ 2 milhões de dólares. A Zuffa tornou-se um império bilionário e acabou incorporando ao UFC todos os principais eventos de vale-tudo do planeta.
DEPRECIAÇÃO DA IMAGEM DO JIU JÍTSU
Durante a década de 1990, o Jiu Jítsu Brasileiro era a arte marcial em maior evidencia no mundo das lutas. Logo, todos queriam carregar consigo o status de praticantes desta modalidade. Por estar em evidencia, e pela demanda ser bastante crescente, a lei da oferta e da procura passou a vigorar nas academias tornando o esporte caro e portanto seletivo. O Jiu Jítsu acabou se tornando uma modalidade restrita as camadas mais favorecidas da sociedade e passou a ser visto pelos demais como um esporte elitista. Entende-se que essa foi a primeira alteração sofrida na imagem do Jiu Jítsu Brasileiro.
O Jiu Jítsu era então, o esporte marcial dos “filinhos de papai” e a partir dessa nova realidade já começava a encontrar opositores especialmente nos veículos de comunicação. Nesta mesma época, um grupo de jovens promovia desordens e badernas nas casas noturnas da Zona Sul do Rio de Janeiro. Praticantes de Jiu Jítsu ou não acabaram ganhando este rótulo (sempre envolvidos em brigas) e a mídia buscando um maior aproveitamento daquela situação, decidiu entrar na briga contra este tipo de atitude dos então “filinhos de papai” e jornalisticamente acabou criando uma nova forma de denominá-los. “Pitboys” foi o termo escolhido fazendo alusão ao fato de serem garotos de classe média e alta e aos cães da raça pitbull que também estavam em evidencia na época especialmente pela sua agressividade. Jornalisticamente, o termo tornou-se um jargão e marcou presença nas paginas policiais e em todos os noticiários dos demais veículos de comunicação. Logo o termo ganhou as ruas e automaticamente todos os praticantes de Jiu Jítsu acabaram rotulados pela opinião pública como pitboys, e todo o evento que envolvesse jovens das classes mais favorecidas, e que envolvesse brigas ou qualquer tipo de violência automaticamente era fruto da ação de pitboys e do Jiu Jítsu. (ATALLA, 2004)
Leão e Albuquerque (2004), que foram os criadores do termo, reconhecem que ao ganhar as ruas eles perderam o domínio sobre o mesmo e que sua intenção nunca foi criar um estereótipo sobre o Jiu Jítsu, seus praticantes ou até mesmo sobre a raça de cães.
"Em 1999, Carlos Albuquerque e eu fizemos uma reportagem no jornal “O Globo” veículos em que trabalhamos até hoje. A pauta era um tipo de violência que víamos acontecer com freqüência nas boates do Rio de Janeiro.[...] Durante a edição da reportagem notamos que faltava uma expressão que definisse bem aquele tipo de agressor.Pensamos em algo com a palavra “animal”, gíria muito utilizada na época em função do jogador de futebol Edmundo.O cão da raça pitbull também estava sendo muito comentado naquele ano. Começamos então a combinar as palavras com a preposição “pit”. Achamos que pitboy soava bem Logo após a reportagem ser publicada, o temos pegou. Quando “pitboy” caiu em domínio público, perdemos o controle sobre o significado da palavra. Enquanto nos referíamos a caras que tem atitude primata na hora de “conquistar uma mulher”, muitas pessoas utilizam o termo de maneira equivocada, generalizante, achando por exemplo que todo o “pitboy”é praticante de esportes de luta em especial o Jiu Jítsu". (LEÃO e ALBUQUERQUE, 2004, p.58)
Mesmo em desacordo com a intenção, o termo “pitboy” virou sinônimo de Jiu Jítsu, baderna, violência e até mesmo de mortes. Em função de um jargão jornalístico reconhecidamente equivocado por seus próprios autores o Jiu Jítsu carregava uma imagem até então inconcebida pelos seus idealizadores e por aqueles personagens que desenvolveram sua história até então. O Jiu Jítsu para a opinião pública passa a ser visto como a arte marcial dos delinquentes, lutar Jiu Jítsu transformava o homem em um desajustado social.
A partir de então, todo o acontecimento que tivesse um desfecho fatídico e que possuísse algum elemento atrelado ao perfil de um “pitboy” ganhava as páginas dos jornais ancorado ao Jiu Jítsu. Acredita-se que assim a imagem desta arte marcial estava maculada frente a opinião pública e tudo que tivesse origem na mesma, fosse um titulo mundial conquistado ou trabalho social desenvolvido em uma comunidade carente, era recebido aos olhos da opinião pública com desconfiança.
Isso pode ser enfatizado pela publicação da revista Veja em fevereiro de 1999, que trazia como título: “A cultura do tapão – Eles já gostavam de brigar e agora ficaram mais violentos depois de aprender jiu jítsu”. Na matéria, os jornalistas Daniela Pinheiro e Ronaldo França, apresentam o perfil dos pseudo praticantes de Jiu Jítsu, suas características físicas e alertas aos leitores que por ventura cruzassem o seu caminho. A partir da apresentação do perfil de três garotos, os jornalistas tornavam visível para a sociedade um conceito deturpado do Jiu Jítsu.
"[...] A turma da orelha é formada por praticantes de jiu jítsu que, muitas vezes, não se satisfazem em treinar a arte marcial no tatame da academia. Eles saem às ruas à procura de uma vítima. Nos últimos tempos, gangues de lutadores têm-se envolvido em casos policiais com freqüência cada vez maior. Há registros de confusão provocada por eles em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza, Recife, Brasília e Manaus, mas a capital nacional dessa gente é o Rio de Janeiro. É lá que está a maior concentração de academias de jiu jítsu do país, cerca de 400, metade de fundo de quintal. Na semana passada, a Guarda Municipal carioca divulgou um relatório sobre gangues que perturbam e agridem os usuários das praias de Ipanema e do Leblon e constatou que duas delas são formadas por praticantes de jiu jítsu. Nos últimos meses, a cidade registrou a morte de duas pessoas envolvidas em brigas provocadas por lutadores dessa arte marcial. O motivo para tanta violência? Nada que faça muito sentido, aparentemente." (PINHEIRO e FRANÇA,1999, Disponível em acesso em 11/09/2011)
Os jornalistas seguem suas considerações a respeito do Jiu Jítsu afirmando que de todas as artes marciais, apenas o Jiu Jítsu causaria esse tipo de desordem social. Segundo eles, seriam 4.000.000 de praticantes de luta no país sendo que apenas 150.000 treinando Jiu Jítsu e que nos mesmos o problema estaria concentrado:
"O Brasil tem mais de 4 milhões de pessoas praticando artes marciais e não se tem notícia de gangues de kung fu ou de judocas esmurrando gente na rua. São 150.000 os praticantes de jiu jítsu e, obviamente, a maioria deles leva a arte marcial a sério. Ou seja, treina na academia e, nas ruas, demonstra desenvolvido grau de autocontrole, capaz de suportar mais desaforos do que os demais. A má imagem do jiu jítsu é culpa de uma minoria que já gostava de dar tapas antes de entrar na academia e que resolveu aderir à luta da moda para potencializar sua ferocidade." (PINHEIRO e FRANÇA, 1999, Disponível em acesso em 11/09/2011)
É importante salientar as considerações feitas pelos próprios jornalistas os quais afirmam ter conhecimento que a maioria dos praticantes de Jiu Jítsu tem uma conduta exemplar especialmente por desenvolverem um grau de tolerância maior do que a maioria das pessoas, mas mesmo com essa percepção seguem afirmando que a imagem da arte marcial é muito negativa. Esse detalhe deve ser evidenciado pois o que naturalmente seria percebido a partir do próprio texto jornalístico é que a imagem atribuída ao Jiu Jítsu não corresponde a realidade do esporte a final a imensa maioria dos praticantes tem uma conduta elogiável pela própria matéria.
A matéria ainda retrata a agressividade e o desejo secreto que todo o homem tem de impor respeito físico. Salienta que esse é possivelmente um traço ancestral e que na maioria dos casos a avaliação racional permite a dedução de que a agressão física não vale a pena. No entanto, e com muita pertinência ela apresenta o quadro de maníaco por agressão o qual não goza desse tipo de dedução lógica:
"Todo homem esconde um desejo secreto de impor respeito físico. É, provavelmente, uma reação ancestral, adquirida em tempos imemoriais, quando isso fazia grande diferença na vida de cada um. Esse impulso, no entanto, é temperado na maioria das pessoas pelo cálculo racional segundo o qual a disputa física raramente vale a pena. Com o maníaco por agressão é diferente. Esse tipo de gente surge quando alguns fatores adicionais se conjugam. Em primeiro lugar, é preciso ser mais agressivo do que a média das pessoas — e isso nada tem a ver com jiu jítsu. Depois, ser brigão exige certa obtusidade intelectual. As técnicas de luta oferecem um meio pelo qual se podem exteriorizar impulsos agressivos. As academias e o grupo fornecem, finalmente, o ambiente no qual a pancadaria é promovida como coisa meritória." (PINHEIRO e FRANÇA, 1999, Disponível em acesso em 11/09/2011)
Mais uma vez, o próprio artigo enfatiza que o que é determinante nos acontecimentos de violência é a orientação comportamental dos indivíduos envolvidos e que tal comportamento não está diretamente ligado ao fato do individuo lutar Jiu Jítsu ou não. Porem a imagem da arte marcial já estava afetada pelo fato dela aparecer (estar visível na mídia) vinculada a fatos negativos.
Em entrevista à Fausto Silva, ex-praticante da modalidade e entendendo que a imagem que estava sendo agregada ao Jiu Jítsu era equivocada, Helio Gracie, agora com mais de oitenta anos de idade, afirmou que:
"[...] não há nenhuma arte, nenhuma profissão que seja responsável por agressões, por agressores ou infrações de qualquer tipo [...]nenhuma arte é responsável por um dos seus praticante, ser cafajeste, ser bandido ou ser ladrão.[...] o individuo que tem auto confiança, que acredita em si, não briga, ele não precisa brigar. Todo o brigador, meu amigos é um covarde.[...]" (Disponível em : acesso em 05/11/2011)
Apensar do esforço de seus professores e praticantes em reverter essa visibilidade/imagem negativa, observa-se que aos olhos da sociedade esta arte marcial ganhou o status de marginal. Esse conceito junto a opinião pública desenvolve-se principalmente a partir da visibilidade midiática conferida a essa arte de forma equivocada, como fica evidente nos textos artigos apresentados anteriormente. Não se quer aqui ser determinista ao apresentar alguns fatos e não é foco desta monografia a análise daquilo que é vinculado sobre o Jiu Jítsu nos meios, a intenção aqui e apontar ou exemplificar de alguma forma que acredita-se que aquilo que ganha visibilidade na mídia pode contribuir para formar a imagem de algo perante a sociedade.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
O JIU-JÍTSU NA CONTEMPORANEIDADE
Hoje, o Jiu Jítsu luta contra a imagem negativa que lhe é agregada muitas vezes. Porém, ao observar a ainda restrita visibilidade que esta arte marcial possui junto aos grandes meios de comunicação de massa, a reversão desta imagem negativa parece distante. Mesmo porque, o rotulo de violência e irracionalidade segue sendo vinculado a essa arte nos meios de comunicação.
Recentemente, durante a elaboração deste trabalho, mais uma vez a modalidade foi alvo da mídia, frente a um acontecimento de desfecho trágico.
Em nove de agosto de 2011 a jovem Jessica de Oliveira foi encontrada morta na cidade de Caxias do Sul apresentando sinais de estrangulamento. Logo as investigações policias chegaram até um empresário, namorado da vitima. O mesmo, confessou o crime e imediatamente a mídia destacou sua ligação com o Jiu Jítsu, possivelmente a partir de uma declaração do mesmo.
"Na manhã do crime, o acusado abordou a garota e ofereceu carona de carro até o Instituto Educacional Cristóvão de Mendoza. Porém, ao invés de rumar para o bairro Cinqüentenário, onde fica a escola, ele seguiu até o Morada dos Alpes. O empresário e a estudante discutiram. O acusado começou a agredi-la, tentando estrangulá-la com golpes de jiu jítsu, arte marcial que ele praticaria. Sem conseguir fazer Jéssica desmaiar, o empresário desferiu uma série de socos no rosto dela. Na polícia, o acusado disse que, cansado de agredir a vítima, pegou um fio de luz e a enforcou até a morte." (Disponível em: acesso em 05/11/2011)
A noticia permite entender que os praticantes de Jiu Jítsu podem fazer uso de seus conhecimentos marciais para praticar atos criminosos. A sociedade em geral não tem conhecimento técnico para perceber as distorções entre as agressões sofridas pela jovem e as praticas de Jiu Jítsu. Para exemplificar, de acordo com o que foi exposto até aqui, sabe-se que no Jiu Jítsu não existem socos e que não faria nenhum sentido para a arte marcial o uso de um fio elétrico, pois no Jiu Jítsu não há a presença de qualquer arma ou outro elemento durante o treinamento de suas técnicas. Essa observação aponta para a vinculação equivocada do Jiu Jítsu ao fato, pois embora o agressor fosse um praticante não fez uso das suas técnicas durante o seu ato de ataque à vitima. Entende-se assim que se ele não fosse um praticante da modalidade seguramente teria cometido o mesmo ato criminoso.
Esse exemplo aponta para a interpretação de que a visibilidade conferia ao Jiu Jítsu no Brasil segue vinculada à violência, mantendo aos olhos da opinião pública esta arte marcial como um ícone de desajuste social.
É importante salientar que entende-se que essa é uma realidade especialmente nacional. Exemplo disso é o fato recente de o Sheik Mohammad Bin Zayed Al Nahyan príncipe de Abu Dhabi nos Emirados Árabes Unidos, contratou uma centena de professores brasileiros (faixas preta de Jiu Jítsu) para ministrarem aulas nas escolas de seu país. As aulas de Jiu Jítsu fazem parte do currículo escolar dos alunos de sexta e sétima serie os quais podem após cursarem os dois anos optar por manter como atividade complementar até o final de sua vida escolar. Como incentivo ao esporte, Abu Dhabi criou o primeiro circuito mundial profissional de Jiu Jítsu. O Abu Dhabi Grand Slam realiza torneios seletivos em todo o mundo e reúne uma vez por ano os campões continentais da modalidade nos Emirados Árabes a fim de conhecer os melhores atletas da modalidade no planeta.
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